quinta-feira, 16 de abril de 2015

T.O.C na infância

Transtorno Obsessivo-Compulsivo em Crianças



Um dos maiores enganos da população geral em relação aos problemas psiquiátricos que acometem as crianças é, justamente, acreditar que as crianças não têm problemas psiquiátricos. O Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) é um desses exemplos. Ele surge como a persistência de algumas manias, alguns tiques e, quando a criança tem liberdade para falar sobre o que sente, de pensamentos absurdos que “não saem da cabeça”.
Embora esse quadro, causador de grande sofrimento, tenha geralmente início na adolescência ou começo da idade adulta, ele pode aparecer na infância de forma tão comum quanto em adultos. Cerca de 30 a 50% dos pacientes adultos com TOC referem que o início do transtorno foi na infância ou adolescência.
Como se vê na página sobre esse tema, as características essenciais do Transtorno Obsessivo-Compulsivo são obsessões ou compulsões recorrentes e suficientemente graves para consumirem tempo ou causar sofrimento acentuado à pessoa. Essa descrição do transtorno serve para adultos e crianças (sugere-se ver Idéias Obsessivas, no final da pág. sobre Alterações do Pensamento). A maioria dos pacientes tem um curso crônico de vaivém dos sintomas, com exacerbações possivelmente relacionadas à ansiedade, depressão e ao estresse.
Com mais freqüência o início do TOC infantil é gradual, mas em alguns casos pode ser agudo e a média de idade para seu surgimento é dos 6 aos 11 anos. As crianças comumente tentam ocultar seus sintomas, dificultando assim um diagnóstico mais precoce. E o tratamento precoce minimiza muito o sofrimento e o prejuízo causado pelo TOC.
É habitual e até normal existir um pequeno grau de obsessões nas crianças, como por exemplo, não parar de contar as árvores ou postes que passam quando viajam de carro, não pisar nos riscos das calçadas, e coisas assim. Com o amadurecimento da pessoa e de seu sistema nervoso central esses pensamentos intrusivos vão desaparecendo, porém, não é incomum alguns adultos conservarem resquício desses pensamentos e até de comportamentos compulsivos, como por exemplo, verificar várias vezes se a porta está fechada, se o gás está aberto, etc.
O mais comum é que o TOC se manifeste em pessoas com forte traço de ansiedade na personalidade ou mesmo, que tenham um transtorno do tipo Anancástico (obsessivo-compulsivo) no desenvolvimento da personalidade (veja em esse tipo no final da pág. Transtornos da Personalidade na seção Personalidade). Esse traço ou, quando mais intenso, esse transtorno obsessivo da personalidade é caracterizado por forte inclinação ao perfeccionismo, preocupação excessiva com detalhes, regras, listas, ordens, organização ou horários, insistência em impor aos outros o seu modo de desenvolver tarefas, indecisão, excesso de responsabilidade, inflexibilidade a respeito de regras, moral ou éticas, extrema dificuldade para expressar sentimentos, incapacidade de desfazer-se de objetos inúteis.
O manual do DSM.IV recomenda como critérios para o diagnóstico do Transtorno Obsessivo-Compulsivo, tanto para adultos quanto para crianças, a ocorrência do seguinte:
A. Que existam obsessões ou compulsões, definidas pelas características abaixo:
1. - Pensamentos, impulsos ou imagens mentais recorrentes e persistentes, emancipados da vontade, intrusos e inadequados, causando ansiedade ou sofrimento. É claro que a criança tem dificuldades para entender o que está se passando com ela. Sente ansiedade por não se livrar de tais pensamentos e, ao mesmo tempo, vergonha ou constrangimento devido ao aspecto bizarro e absurdo dessas idéias.
2. - Esses pensamentos, impulsos ou imagens não são meras preocupações excessivas com problemas da vida cotidiana. Isso quer dizer que a criança pode apresentar uma idéia de contaminação, de ter que fazer alguma coisa ou não poder fazer alguma coisa completamente desvinculada de seu cotidiano.
3. -A criança tenta ignorar ou suprimir tais pensamentos, impulsos ou imagens, ou neutralizá-los com algum outro pensamento ou ação. Às vezes a criança passa a repetir as mesmas perguntas ou ter as mesmas atitudes com a intenção de afastar os pensamentos intrusivos e negativos.
4. - A criança reconhece que os pensamentos, impulsos ou imagens obsessivas são absurdas e produzidas por sua própria imaginação, a qual não consegue controlá-los. Essa característica pode não aparecer em crianças muito novas por falta de uma consciência mais desenvolvida.
O conteúdo das obsessões é muito variado, independente da cultura, ou seja, se a idéia obsessiva é de contaminação, sujeira, germes, etc., ela aparece tanto na África quanto na Suécia. As idéias podem aparecer sob formas de pensamentos, frases, imagens ou impulsos. A criança, em geral, tenta resistir e se livrar da idéia obsessiva e quando tem sucesso, obtém alivio temporariamente. Mas, de modo geral, a idéia obsessiva sempre é um pensamento ou idéia repetitiva que não sai da cabeça, mesmo contra a vontade do paciente e o grande esforço mental despendido tentando controlar tais pensamentos pode ser exaustivo.
Normalmente isso tudo não é notado pelas pessoas em volta. Entretanto, quando a criança começa a desenvolver atitudes ou rituais para afastar tais idéias como, por exemplo, tocar metodicamente objetos, repetir atitudes aparentemente sem propósito, negar-se a fazer coisas, passar por lugares, vestir determinadas roupas inexplicavelmente, aí sim a família começa manifestar estranheza. As idéias são as obsessões e as atitudes estranhas (manias) são as compulsões, daí o nome obsessivo-compulsivo.

toc infantil
 São comuns idéias obsessivas de dúvida, caracterizadas pela dificuldade em acreditar que uma atividade ou tarefa foi realizada de modo adequado, ou por grande indecisão quanto ao caminho a seguir. Além de essas crianças perguntarem reiteradamente a mesma coisa (dúvida persistente), pode ser que seus cadernos escolares tenham um número muito grande de sinais de borracha, por terem que apagar e escrever diversas vezes a mesma coisa.
Outra idéia obsessiva comum é o medo patológico de perder o controle e realizar algum ato inadequado socialmente; envergonhar pessoas, cometer algum vexame publicamente, engasgar, derramar comida, etc. Isso acaba fazendo a criança retrair-se socialmente. Aqui também as idéias obsessivas fazem com que a criança pergunte inúmeras vezes a mesma coisa, e mesmo sabendo a resposta à sua dúvida, elas insistem em ouvir de novo e seguidamente.
As idéias obsessivas de sujeira e contaminação normalmente giram em torno de temas que envolvem excrementos humanos ou de animais, pó, suor, urina, sangue, germes, doenças, toxinas, radioatividade, etc. A criança pode ter idéias obsessivas quanto à sua própria auto-estima, achando-se suja, prostituta (se menina), homossexual (mais comum em meninos), pecadora e assim por diante.
Podem existir temas impessoais como, por exemplo, a conferência ininterrupta de contas, problemas matemáticos, figuras geométricas, solução de quebra-cabeças e enigmas, fechaduras, ordenação no arranjo dos mais variados objetos, cisma com determinadas palavras e números. De modo geral, é bom ter em mente que as idéias obsessivas são as mais variadas possíveis, chegando ao limite do bizarro, como, por exemplo, ficar ligando mentalmente, através de retas imaginárias, pontos abstratos da paisagem que se vê.
As compulsões, que são as atitudes igualmente obrigatórias, impositivas, rituais necessários ao alívio das idéias obsessivas, são assim definidas pelo DSM.IV:
1. - Comportamentos repetitivos (por ex., lavar as mãos, organizar, verificar, olhar, desviar...) ou atos mentais (por ex., orar, contar ou repetir palavras em silêncio) que a pessoa se sente compelida a executar em resposta a uma obsessão ou de acordo com regras que devem ser rigidamente aplicadas.
2. - Os comportamentos ou atos mentais visam a prevenir ou reduzir o sofrimento causado pela obsessão, ou evitar algum evento ou situação temida.
A compulsão é um comportamento sistemático, repetitivo e intencional executado numa ordem pré-estabelecida. As ações compulsivas não têm um fim em si mesmo, pois são racionalmente absurdas. Elas servem para prevenir ou aliviar a ocorrência de um determinado evento imaginário (acidentes com os pais, por exemplo) ou outras situações ameaçadoras. O ritual todo, por exemplo, pode ser assim: “se eu não bater na madeira 3 vezes, alguém de minha família terá câncer”... “se eu não tocar o objeto que vou pegar 5 vezes antes de pagá-lo, ele pode cair no chão e se quebrar”... “se eu não rezar 2 vezes essa oração, sem dúvida o capeta virá me buscar”...
O ato compulsivo é precedido por uma sensação de urgência, seguida de alívio temporário da ansiedade após a realização do mesmo. A pessoa tem consciência que tais atos são irracionais, apesar do ritual diminuir sua ansiedade. Essas atitudes compulsivas das crianças podem ser mal compreendidas pelos pais, os quais tentam corrigir com advertências, castigos ou agressões. É difícil também, algumas vezes, distinguir um tique de um comportamento compulsivo. De qualquer forma, aconselha-se aos pais que, diante de tiques, verifiquem a possibilidade do TOC.
Nas crianças, entretanto, é comum a dificuldade em relatar e descrever seus sintomas, principalmente solicitar ajuda, o que dificulta o diagnóstico e o início do tratamento. Compulsões comuns são de limpeza e descontaminação, como por exemplo, lavar repetidamente as mãos, roupas, objetos pessoais, limpar, lavar ou esterilizar objetos (roupas, sapatos, cadeiras, toalhas, etc.) que tenham sido “contaminados” de alguma forma. Isso se dá através de lavagem das mãos, esterilização e assepsia com álcool, banhos prolongados, rituais de limpeza determinados, uso abundante desinfetantes.
A compulsão de verificação diz respeito à necessidade imperiosa e absurda de testar, conferir ou examinar repetidamente, para estar seguro, determinados atos ou circunstâncias. Por exemplo, voltar inúmeras vezes para verificar se a porta está fechada, o gás desligado, a luz apagada, a janela fechada, a gaveta fechada, etc. Os rituais de verificação são preventivos, procurando assegurar que nenhuma catástrofe irá acontecer. O próprio paciente sabe que a possibilidade de ocorrer aquilo que imagina é muito remota, mas mesmo assim não consegue controlar a compulsão.
A compulsão de repetir ou tocar também é muito comum, uma vez que a própria característica das compulsões é a repetição. Acender e apagar a luz diversas vezes para aliviar a ansiedade da dúvida de ter deixado acesa, beijar um certo número de vezes uma imagem ou objeto sagrado para aliviar a ansiedade de que pode acontecer alguma coisa de ruim, etc. Com freqüência, a repetição implica ainda em um número definido de vezes. Assim uma pessoa pode lavar as mãos 13 vezes, ou repetir uma oração 18 vezes e assim por diante.
Os rituais compulsivos implicam em repetir de maneira precisa, seguindo regras arbitrárias e mágicas, praticamente litúrgicas. Antes de subir escadas, colocar o pé direito, tirar e colocar de novo ao mesmo tempo em que aperta a mão esquerda, por exemplo. Esses atos complicados e demorados podem limitar a vida social e ocupacional, obrigando-o a adotar alguns disfarces e dissimulações para que não percebam suas manias, já que o paciente tem noção do absurdo de seu comportamento.
Compulsão de simetria e ordem obriga o paciente a colocar objetos numa ordem e simetria pré-determinadas, como por exemplo, arrumar as camisas pela cor, simetricamente ou uma gaveta obsessivamente organizada, ou os objetos sobre a mesa de modo pré-estabelecido.
Há um tipo de comportamento compulsivo chamado de colecionismo, que consta em juntar objetos, ter extrema dificuldade de se desfazer das coisas, não jogar nada fora. É comum encontrar na casa dessas pessoas pilhas de revistas, embalagens de plástico, vidrinhos, etc. As crianças, entretanto, podem juntar lascas da própria unha, fios do próprio cabelo, e coisas assim.
Diante da suspeita do TOC os pais devem tentar identificar em seus filhos algumas lesões cutâneas, tanto aquelas conseqüentes da lavagem excessiva das mãos, quanto da auto-escoriação. Devem ser verificados também os trejeitos e tiques, o tempo excessivo gasto para a realização das tarefas (de casa e da escola), buracos nos cadernos ocasionados por apagar seguidamente, solicitação para familiares responderem a mesma pergunta várias vezes, medo persistente e absurdo de doença, aumento excessivo na quantidade de roupas para lavar, tempo excessivo para preparar a cama, medo persistente e absurdo de que algo terrível aconteça para alguém, preocupação constante com a saúde dos familiares.
Pesquisas sobre as Causa de TOC
As pesquisas sobre a origem do TOC envolvem recursos da neuroimagem, neuroquímica, neuropsicologia e estudos genéticos. Em relação à neuroimagem, alguns trabalhos mostram anormalidades nas vias córtico-estriatal-talâmico em casos de TOC em adultos e crianças. Os estudos que avaliam alterações neurofisiológicas no TOC, tais como nas imagens funcionais, neuroimagens, nos tratamento farmacológico e eventuais terapias cirúrgicas sugerem que o TOC estaria relacionado a anormalidades orgânicas.
A tomografia com emissão de pósitrons (SPECT) revelou aumento do metabolismo da glicose no córtex orbito-frontal e pré-frontal, núcleo caudado direito e giro cingulado anterior em adultos e crianças com TOC, e o tratamento bem sucedido com fármacos inibidores da recaptação seletiva de serotonina que normaliza o metabolismo da glicose nessas regiões atenuam também a sintomatologia da doença. Muitos estudos farmacológicos e bioquímicos sugerem que as anormalidades nas atividades da serotonina e dos receptores serotoninérgicos do sistema nervoso central estão fortemente relacionadas ao Transtorno Obsessivo Compulsivo.
A sustentação preliminar para a "hipótese da serotonina"  origina-se da observação que os inibidores da recaptação seletiva da serotonina (ISRS) são bastante eficientes para o TOC infantil e adulto. Alguns pesquisadores (Hanna, 1995) relacionam a duração e severidade de sintomas de TOC com níveis de prolactina (hormônio elaborado pela hipófise). Apesar das alterações anatômicas, microscópicas, bioquímicas, etc, não existe ainda um exame de laboratório que confirme a doença, como ocorre na psiquiatria em geral.
Os indivíduos com o transtorno podem apresentar maior atividade autonômica quando confrontados, em laboratório, com circunstâncias que ativam uma obsessão. A reatividade fisiológica diminui após a execução das compulsões.
Crianças com TOC exibem índices aumentados de sinais neurológicos leves, incluindo déficits no raciocínio não-verbal. Muitos destes sinais quando encontrados na infância podem ser um fator preditivo para o TOC no adulto. Os achados dos estudos da imagem, neurológicos e neuropsicológicos implicam em um predomínio das disfunções no hemisfério cerebral direito.
Sintomas do TOC Infantil
Na infância as idéias obsessivas mais comuns têm como foco a contaminação ou germes, seguido pelo medo de alguma coisa de mal que possa acontecer para si ou para familiares, moralização ou religiosidade excessivas, incluindo pensamentos em pecados. As compulsões mais comuns incluem rituais para andar (não pisar aqui e ali), lavagem excessiva, repetição, checagem, tocar, contar e ordenar.
Os rituais de lavagem (mãos, banho, escovação) chegam a ocorrer em uma freqüência de 85% das crianças com TOC. Com o passar do tempo a sintomatologia do TOC infantil pode mudar mas de modo geral o quadro clínico obedece aos sintomas relacionados na Tabela 1.
TABELA 1 - SINTOMAS DO TOC INFANTIL
Sintoma                                                     % de indivíduos que queixaram
OBSESSÕES %
Pensamentos e preocupações com sujeira, germes 40
Medo algo terrível em si ou em alguém amado: fogo, morte, doença 24
Pensamentos sobre simetria, ordem, exatidão 17
Escrupulosidade excessiva, obsessões religiosas 13
Preocupação em perder secreção do corpo, urina, saliva 8
Pensamentos sobre números de sorte ou azar 8
Medo de ter impulsos de agressividade, algo proibido, impulsos sexuais 4
Medo de ferir os outros ou a si próprio 4
Sons, palavras ou músicas intrusas que “não saem da cabeça” 1
COMPULSÕES %
Lavar as mãos, escovar os dentes, tomar banhos 85
Rituais de repetição como abrir e fechar a porta, descer escada 51
Checagem de portas, travas, tarefas, luzes 46
Diferentes rituais (manias) de escrever, falar, se movimentar 26
Rituais para se livrar de contaminantes 23
Ter que tocar as coisas 20
Medidas preventivas para não machucar ninguém 16
Arranjar as coisas, colocar em certa ordem 17
Contar e recontar 19
Empilhar ou colecionar 11
Rituais de limpar a casa ou objetos inanimados 6
  * - Fonte: Snider, 2003
O declínio do rendimento escolar, conseqüente à diminuição da capacidade de concentração, pode ser uma valiosa pista para que os pais comecem a pensar em algum problema dessa natureza. Também alguns problemas dermatológicos devem chamar atenção, sobretudo as dermatites eczematóides,  geralmente ocasionadas por lavagens excessivas com água ou detergentes. De modo geral a criança com TOC tem crítica da estranheza de suas atitudes e escondem essas “manias”, por isso elas procuram executar seus rituais em casa e não diante de professores ou estranhos.
O TOC, tanto em adultos como em crianças, é uma doença crônica, e de dois a catorze anos depois de feito o diagnóstico inicial, ainda não acontece eliminação de todos os sintomas em 43% a 68% dos casos, porém, cerca de 30% dos pacientes apresenta remissão espontânea depois de alguns anos de doença. Infelizmente, 10% dos pacientes têm piora progressiva e acabam por apresentarem múltiplas obsessões e compulsões, as quais mudam em conteúdo e severidade com o passar do tempo.

para referir:

Ballone GJ - Transtorno Obsessivo-Compulsivo em Crianças - in. PsiqWeb, Internet, disponível em www.psiqweb.med.br, 2006

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